Uma das figuras mais associadas a violência doméstica familiar e contra a mulher é o homem, seja como namorado, marido ou ex, que exercem agressão a parceira, motivado por um sentimento de posse sobre a vida e escolhas daquela mulher.
A repetição contudo, não pode ser encarada como regra geral, pois a relação íntima de afeto exposta na Lei Maria da Pena, não se restringe tão somente a relações amorosas, já que são consideradas violências domésticas aquelas praticadas no âmbito familiar, sendo exercidas muitas vezes por padrastos/madrasta; sogro (a); cunhado (a), ou agregados (a), desde que a vítima seja uma mulher em qualquer idade e pertencente a qualquer classe social.
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).
A lei foi direcionada, para ressaltar a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres possam ter o exercício pleno dos seus direitos, trazendo para si também a responsabilidade de configurar todos os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, trazendo as definições de todas as suas formas (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral).
Prevê a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas, dando outras providências.
No todo, a Lei representa um reconhecimento do Estado brasileiro, de que em nosso contexto, os papéis associados ao gênero feminino e o lugar privilegiado do gênero masculino nas relações, geram vulnerabilidades para as mulheres que acabam sendo mais expostas socialmente a certos tipos de violências e violações de direitos.
Ao delinear os vários tipos de violência doméstica, tirando os holofotes tão somente da violência física, claramente a Lei Maria da Penha grita aos quatro cantos do mundo, que não é somente a violência física que deixa marcas físicas e evidentes. É preciso entender que a violência física é só mais um traço de um contexto muito mais global de violência, que inclui a violência moral, humilhações, a violência psicológica, a restrição da autodeterminação da mulher.
A Lei também visa a responsabilização daqueles que “fazem de conta” que não viram a violência doméstica, pois omitir é ser conivente com agressões aos direitos das mulheres, o que também é uma forma de praticar violência.
A Lei Maria da Penha define em seu artigo 5º, em quais relações e contextos, a violência doméstica pode ocorrer:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Destacado ainda no parágrafo único de seu artigo 5º a expressão “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”, para não deixar dúvidas.
Diante dos apontamentos realizados no referido artigo 5º, não restam dúvidas que os autores da violência podem ser:
1) Maridos, companheiros, namorados – ex ou atuais e que morem ou não na mesma casa que a mulher;
2) Que a Lei aplica-se tanto a relações heterossexuais como a casais de mulheres;
3) Que a Lei não se restringe às relações amorosas, vale para a violência cometida por outros membros da família, como pai, mãe, irmão, irmã, padrasto, madrasta, filho, filha, sogro, sogra – desde que a vítima seja uma mulher, em qualquer faixa etária ou classe social;
4) Que referida Lei também se aplica quando a violência doméstica ocorre entre pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, mesmo sem ser parentes, como um cunhado ou cunhada.
Quando ainda não existia a Lei Maria da Penha, a abordagem jurídica dos casos de violência doméstica era baseada na Lei nº 9.099/1995, que minimizava o problema, segundo especialistas, propondo punições alternativas para os agressores, como a doação de cestas básicas.
A Lei Maria da Penha tratou de traçar diretrizes e o caminho para prevenir, punir e coibir a violência doméstica familiar contra mulher. Como na fala da Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e integrante da Copevid (Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG), Lindinalva Rodrigues Dalla Costa:
“Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era negociada por cestas básicas nos Juizados Especiais como um crime de ‘menor potencial ofensivo’. Antes da Lei, a violência doméstica não era ‘nada’ para o operador jurídico, que agia como bem entendia, sacrificando a mulher para salvar a ‘harmonia familiar’. A Lei Maria da Penha tirou a violência doméstica da invisibilidade, ganhou o gosto popular e é conhecida e reconhecida pela população, que se sente mais segura após sua entrada em vigor para fazer suas denúncias.”
Referida lei prevê em seu artigo 35 que sejam criados, pela União, Estados e Municípios, centros e serviços para realizar atividades reflexivas, educativas e pedagógicas voltadas para os agressores, vejamos:
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:
I – centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II – casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V – centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Esta é uma parte importante das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres, mas que ainda infelizmente conta com poucos serviços no País.
Muitas são as conquistas alcançadas pelo reconhecimento da necessidade de promulgação da Lei Maria da Penha. Hoje o Brasil conta com a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, atrás apenas de Espanha e Chile, segundo a Organização das Nações Unidas: a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006).
Sua promulgação delimitou de forma definitiva que a violência doméstica contra a mulher é crime e requer respostas eficazes do Estado e um pacto de não tolerância por toda a sociedade, apontando a verdadeira dimensão desta grave violação dos direitos humanos das mulheres.
É certo que ainda temos um longo caminho a percorrer para a efetivação dos direitos humanos das mulheres no Brasil, mas o olhar situado e parcial que a Lei Maria da Penha proporcionou sobre a realidade brasileira, já fora um grande avanço para promoção do acesso à justiça e da mudança de cultura jurídica patriarcal.
Referências Bibliográficas
Lei Maria da Penha (11.340/2006). Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-006/2006/Lei/L11340.htm> Acessado em 18 de março de 2021.
Violência doméstica e familiar. Disponível em:< https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/> Acessado em 18 de março de 2021.
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Relatórios de pesquisa Nupegre. Disponível em :< https://www.emerj.tjrj.jus.br/publicacoes/relatorios_de_pesquisa_nupegre/edicoes/numero5/relatorios-de-pesquisa-nupegre_numero5.html> Acessado em 20 de março de 2021.
Instituto Maria da Penha. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/>. Acessado em 20 de março de 2021.