Noções Introdutórias da Evolução do Direito de Família

Sem dúvida, “família”, é a instituição mais importante desde os primórdios, para estruturação das bases de uma sociedade. Preceitua o artigo 226 da Constituição Federal que a família é a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado.

A Estruturação dessas bases, oriundas da formação dessas famílias, sofrem e sofreram ao longo da história importantes
mutações, provocadas pela evolução dos ideais sociais, descobertas científicas, dos costumes da sociedade, que se encarregaram de amparar e aprimorar a instituição familiar. A visão que temos hoje acerca da família, não é a mesma de tempos atrás, em que a economia doméstica estava concentrada no meio rural e abrangia um espectro maior de parentes.

Com o tempo essa família veio sofrendo redução, resumindo-se aos pais e filhos, que migravam para os centros urbanos em busca de emprego nas grandes indústrias que se encontravam em constante ascensão.

De igual modo, merece destaque a inserção da mulher no mercado de trabalho, deixando de ser vista como uma mera colaboradora com os cuidados do lar e dos filhos, o que mais adiante ganha força para o reconhecimento completo da paridade entre os cônjuges e pôr fim a hipocrisia de o marido exercer a chefia da sociedade conjugal.

De acordo com Rolf Madaleno (2019, p. 35), ao tempo do Código Civil de 1916 e o advento da Carta Magna de 1988, a família brasileira era matrimonializada, existindo tão somente no mundo jurídico e socialmente quando constituída por meio do casamento válido e eficaz.

Qualquer outro tipo de arranjo familiar, era considerado socialmente marginalizado, inclusive o concubinato equivalente a atual União Estável, hoje reconhecida. Parafraseando Beth Carvalho, na canção Olho por Olho: “A justiça dos homens condena a bigamia, nenhuma mulher pode ter dois
Josés, nenhum homem ter duas Marias…” Formatações familiares como essas, cantada por Beth Carvalho em Olho por Olho, cada vez mais comuns e reconhecíveis em nosso cotidiano, eram tratadas com tamanho desprezo pelo ordenamento jurídico e no meio social, que seus eventuais e escassos efeitos jurídicos, vagavam pela seara do direito das obrigações, pois eram consideradas sociedades de fato.

Ainda nos ensinamento de Rolf Madaleno, a família era vista como unidade de produção e de reprodução, matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica e institucional, constituídas unicamente pelo casamento, onde a felicidade e liberdade dos membros não era mais importante do que a predominância da família como instituição.

Todavia com o advento da Carta Política de 1988, outros padrões de agrupamentos familiares, que não fossem originários do casamento passaram a perder a característica de marginalizados.

A Carta Magna, abriu um leque de exemplos distintos de formatações familiares, que não se restringiam mais ao casamento, a união estável e a família monoparental, simplesmente porque o vínculo do matrimônio, deixou de ser o fundamento para caracterização da família legítima, proveniente das adequações da sociedade as novas necessidades humanas.

A família matrimonializada, deu lugar a uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou sócio afetiva, construída com base na afetividade. (Madaleno, 2019)

Efetivamente a Constituição brasileira apenas tratou de acolher para o mundo jurídico o que se encontrava no mundo dos fatos, uma marcante realidade sociológica das uniões informais. Também tratou de estabelecer os princípios gerais de amparo a família, com fundamentos ancorados principalmente na
proteção da igualdade dos direitos dos filhos, independente da sua origem de constituição familiar.

A história nos conta, que ao longo do tempo foi sendo quebrada a posição excessivamente privilegiada do casamento, em detrimento do novo conceito de entidade familiar, inserido pelo reconhecimento dos vínculos informais.

O casamento passa a ser tratado como uma das maneiras para se estabelecer uma família e não mais, a absoluta. A questão da formação de um núcleo familiar e a sua evidente multiplicidade de modalidades, tornou-se um fato que saltava aos olhos. Pablo Stolze (2019, p.69), aponta como fundamental para esse reconhecimento/rompimento, a chegada do século XX como precursor de pensamentos únicos e grandes eventos , com a chegada dos grandes centros urbanos, a revolução sexual, a disseminação do divórcio como uma alternativa moralmente válida, a valorização da tutela da infância, juventude e terceira idade, a mudança de papéis nos lares, a supremacia da dignidade sobre valores pecuniários, o reconhecimento do amor como elo mais importante da formação de um lar.

Em um rápido apanhado sobre a trajetória do direito de família ao longo do tempo e todos os arranjos familiares que ganharam tutela jurídica em nosso ordenamento, notaremos traços evidentes da dessacralização e despatrimonialização do direito de família.

De acordo com Rolf Madaleno (2019, p. 44), o atual diagnóstico é de a moderna família suprimir algumas travas, algumas armaduras, para que a vida individual seja menos opressiva: de afeição e solidariedade, e de entrega as suas verdadeiras tradições. Assim almejamos e verdadeiramente esperamos, que esse processo seja contínuo e nunca pare, pois apesar das evidências de que jamais alcançaremos um direito de família puro, sem rastros de interesses
patrimoniais, certo é que, parafraseando Pablo Stolze, a família deve existir em função dos seus membros e não do contrário.

Referências Bibliográficas
______MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2019