Violência Velada

Quem nunca presenciou uma situação de violência moral e psicológica e simplesmente se calou? Ou melhor, quem nunca presenciou uma situação de violência moral e psicológica e nem, se quer, sabia que estava diante de uma?

Dentre os tipos de violência, destaca-se essas duas, não por serem “piores”, afinal não existe uma violência pior que a outra. Mas por serem abstratas e de difícil associação. Não dói no corpo físico (a princípio), mas dói na alma, e a constante exposição a este tipo de tratamento, permite-se desenvolver doenças que já não mais serão ocultas.

Segundo a lei 11.340/06:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; […] V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (Lei Maria da Penha – 11.340/06)

 

Todos estão sujeitos, mas as violências que perfuram o ser e todo seu sistema de significado do eu, acometem, principalmente, pessoas que tiveram sua concepção de valor desregulada ao longo do seu desenvolvimento, tendo como reforço de crenças incapacitantes pela sua trajetória, comovendo diretamente na sua autoestima.

Autoestima é a avaliação subjetiva, o valor e percepção que cada um tem si mesmo e ela pode ser boa ou ruim. É construída desde a infância, de acordo com os estímulos recebidos da família e do convívio social; sua manutenção acontece por toda a vida adulta.

Dentre as principais buscas para o fortalecimento da nossa autoestima encontra-se o autoconhecimento, autoaceitação e a autoconfiança.

Subsequente, o primeiro significa ter consciência das suas caraterísticas, personalidade, história, crenças, valores e limites; o segundo, ter respeito para com seus erros e acertos, suas qualidades e defeitos (e não os negligência); e o terceiro, acreditar em sua competência, capacidade e valor.

Uma vítima, ao estar diante de uma situação de violência psicológica e moral, pode vir a acionar todas as suas crenças limitantes, fazendo com que estas crenças a direcionem para um comportamento de maior inclinação a uma autopercepção desvalorizada, falta de esperança e sentimento de impotência, fazendo com que elas se estabeleçam como pessoas sem poder e direitos. (Caridade & Machado, 2006; Félix, 2012; Lynch & Graham-Bermann, 2000 apud Paiva, Pimentel e Moura, 2017). Por isso é tão comum vermos mulheres dependentes de relacionamentos que lhe agridem, e não é porque elas mereçam ou queiram.

O acúmulo da agressão ou até mesmo um fato isolado, dependendo da sua carga genética, é o suficiente para trazer transtornos mentais a tona, com prejuízos por toda a vida.

E como reconhecer essas agressões? O IMP (Instituto Maria da Penha, 2018) nos mostra alguns exemplos. Para violência psicológica, entende-se situações de “ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento (proíbe-se a vítima de estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes), vigilância constante, perseguição insistente, insultos, chantagem, exploração, ridicularização, tirar a liberdade de crença e gaslighting (manipular e distorcer informações para deixar a mulher com dúvida sobre sua memória e sanidade); Para violência moral, “acusações de traição, emissão de juízos morais sobre a conduta, exposição da vida íntima, críticas mentirosas, xingamentos que incidem sobre a sua índole, desvalorização pelo modo de vestir”.

Para além do acolher, reconhecer, denunciar e combater, precisamos conscientizar. O trabalho preventivo através de informações pode proporcionar uma mudança de pensamento e consequente mudança de comportamento. Uma sociedade egocêntrica carece de esclarecimento diante de assuntos que parecem tão óbvios. O exercício da empatia, pode ser um caminho.

Buscar o autoconhecimento permite o despertar para as nossas questões bem como para o valorizar a nossa história.  Estar diante de você mesma pode contribuir para entender e cobrar o nosso valor e nosso lugar no mundo: de destaque, respeito e igualdade.

Maíra Nogueira.

Referências Bibliográficas

Paiva, Tamyres Tomaz; Pimentel, Carlos Eduardo; Moura, Giovanna Baaroca. Violência conjugar e suas relações com autoestima, personalidade e satisfação com a vida. Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.2 Belo Horizonte dez. 2017

IMP. Instituto Maria da Penha. Tipos de violência. Disponpivel em: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html. Acesso em: 26 mar. 2021.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2018.

O olhar situado e parcial da Lei Maria Penha que salva vidas

Uma das figuras mais associadas a violência doméstica familiar e contra a mulher é o homem, seja como namorado, marido ou ex, que exercem agressão a parceira, motivado por um sentimento de posse sobre a vida e escolhas daquela mulher.

A repetição contudo, não pode ser encarada como regra geral, pois a relação íntima de afeto exposta na Lei Maria da Pena, não se restringe tão somente a relações amorosas, já que são consideradas violências domésticas aquelas praticadas no âmbito familiar, sendo exercidas muitas vezes por padrastos/madrasta; sogro (a); cunhado (a), ou agregados (a), desde que a vítima seja uma mulher em qualquer idade e pertencente a qualquer classe social.

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).

A lei foi direcionada, para ressaltar a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres possam ter o exercício pleno dos seus direitos, trazendo para si também a responsabilidade de configurar todos os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, trazendo as definições de todas as suas formas (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral).

Prevê a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas, dando outras providências.
No todo, a Lei representa um reconhecimento do Estado brasileiro, de que em nosso contexto, os papéis associados ao gênero feminino e o lugar privilegiado do gênero masculino nas relações, geram vulnerabilidades para as mulheres que acabam sendo mais expostas socialmente a certos tipos de violências e violações de direitos.

Ao delinear os vários tipos de violência doméstica, tirando os holofotes tão somente da violência física, claramente a Lei Maria da Penha grita aos quatro cantos do mundo, que não é somente a violência física que deixa marcas físicas e evidentes. É preciso entender que a violência física é só mais um traço de um contexto muito mais global de violência, que inclui a violência moral, humilhações, a violência psicológica, a restrição da autodeterminação da mulher.

A Lei também visa a responsabilização daqueles que “fazem de conta” que não viram a violência doméstica, pois omitir é ser conivente com agressões aos direitos das mulheres, o que também é uma forma de praticar violência.

A Lei Maria da Penha define em seu artigo 5º, em quais relações e contextos, a violência doméstica pode ocorrer:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Destacado ainda no parágrafo único de seu artigo 5º a expressão as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”, para não deixar dúvidas.

Diante dos apontamentos realizados no referido artigo 5º, não restam dúvidas que os autores da violência podem ser:

1)  Maridos, companheiros, namorados – ex ou atuais e que morem ou não na mesma casa que a mulher;
2) Que a Lei aplica-se tanto a relações heterossexuais como a casais de mulheres;
3) Que a Lei não se restringe às relações amorosas, vale para a violência cometida por outros membros da família, como pai, mãe, irmão, irmã, padrasto, madrasta, filho, filha, sogro, sogra – desde que a vítima seja uma mulher, em qualquer faixa etária ou classe social;
4) Que referida Lei também se aplica quando a violência doméstica ocorre entre pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, mesmo sem ser parentes, como um cunhado ou cunhada.

Quando ainda não existia a Lei Maria da Penha, a abordagem jurídica dos casos de violência doméstica era baseada na Lei nº 9.099/1995, que minimizava o problema, segundo especialistas, propondo punições alternativas para os agressores, como a doação de cestas básicas.

A Lei Maria da Penha tratou de traçar diretrizes e o caminho para prevenir, punir e coibir a violência doméstica familiar contra mulher. Como na fala da Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e integrante da Copevid (Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG), Lindinalva Rodrigues Dalla Costa:

“Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era negociada por cestas básicas nos Juizados Especiais como um crime de ‘menor potencial ofensivo’. Antes da Lei, a violência doméstica não era ‘nada’ para o operador jurídico, que agia como bem entendia, sacrificando a mulher para salvar a ‘harmonia familiar’. A Lei Maria da Penha tirou a violência doméstica da invisibilidade, ganhou o gosto popular e é conhecida e reconhecida pela população, que se sente mais segura após sua entrada em vigor para fazer suas denúncias.”
                                   

 Referida lei prevê em seu artigo 35 que sejam criados, pela União, Estados e Municípios, centros e serviços para realizar atividades reflexivas, educativas e pedagógicas voltadas para os agressores, vejamos:
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:
I – centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II – casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V – centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Esta é uma parte importante das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres, mas que ainda infelizmente conta com poucos serviços no País.
Muitas são as conquistas alcançadas pelo reconhecimento da necessidade de promulgação da Lei Maria da Penha. Hoje o Brasil conta com a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, atrás apenas de Espanha e Chile, segundo a Organização das Nações Unidas: a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006).

Sua promulgação delimitou de forma definitiva que a violência doméstica contra a mulher é crime e requer respostas eficazes do Estado e um pacto de não tolerância por toda a sociedade, apontando a verdadeira dimensão desta grave violação dos direitos humanos das mulheres.

É certo que ainda temos um longo caminho a percorrer para a efetivação dos direitos humanos das mulheres no Brasil, mas o olhar situado e parcial que a Lei Maria da Penha proporcionou sobre a realidade brasileira, já fora um grande avanço para promoção do acesso à justiça e da mudança de cultura jurídica patriarcal.

Referências Bibliográficas

Lei Maria da Penha (11.340/2006). Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-006/2006/Lei/L11340.htm> Acessado em 18 de março de 2021.

Violência doméstica e familiar. Disponível em:< https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/> Acessado em 18 de março de 2021.

Violência doméstica e familiar. Disponível em:< https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/> Acessado em 18 de março de 2021.

Relatórios de pesquisa Nupegre. Disponível em :< https://www.emerj.tjrj.jus.br/publicacoes/relatorios_de_pesquisa_nupegre/edicoes/numero5/relatorios-de-pesquisa-nupegre_numero5.html> Acessado em 20 de março de 2021.

Instituto Maria da Penha. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/>. Acessado em 20 de março de 2021.

O Despertar Feminino

Ser mulher é uma verdadeira dicotomia. A busca pela liberdade emocional que nos proporciona o desenvolvimento do empoderamento e da autoridade passa por uma construção histórica social carregada de desvalorização, descrença, violência e desamparo. E até os dias atuais carregamos esta carga cultural. Um peso que vai para além do seu significado concreto e se tornou um mecanismo de defesa para a maioria das mulheres: aceitar as condições e a fragilidade é, muitas vezes, uma forma de se manter viva.

Por este motivo é tão difícil nos sentirmos livres. Enquanto a nossa sociedade carregar nas veias o machismo estrutural, nós, mulheres, sentiremos na pele todos os dias. Estar numa sociedade que é, em sua essência, machista contribui para desacreditarmos de nós mesmas. Afinal, por tanto tempo nos foi imposto que não podíamos, que se tornou difícil acreditar no contrário. E é ainda mais difícil quando isso acontece “entre linhas”.

Por isso temos milhares de mulheres que ainda sofrem violência sem saber. Violência física, sexual, patrimonial, psicológica e moral.  Todas os tipos de violência são existentes, mas a moral e a psicológica são as mais difíceis de se enxergar.

“A violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria” (Lei Maria da Penha nº 11.340/2006) […] “A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação” (Lei Maria da Penha nº 11.340/2006 – Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018).

Tradução para a verdadeira prisão emocional. Estar nessa prisão nos traz prejuízos psicológicos, financeiros e sociais. E o caminho para a liberdade emocional passa pela informação e, principalmente, pelo autoconhecimento. Ter acesso a informações externas é, relativamente, fácil. Mas o difícil e extremamente doloroso é ter acesso as nossas informações internas. E só acessando este lugar tão íntimo e ao mesmo tempo tão distante é que conseguimos forças para lutar e se libertar.

Quantas mulheres já passou por você e você não estendeu a mão? Quantas vezes você já falou “apanha porque quer” ou “mereceu”? Quantas mulheres foram julgadas por você, sem ao menos conhecer sua história?

A base de toda luta é a busca pelo respeito e liberdade, mas continuar um movimento requer união.

O fortalecimento inicia-se no amparo e acolhimento.
Que saibamos ouvir e acolher;
Amar e defender;

Enxergar e se movimentar, para então conquistarmos a tão sonhada verdadeira liberdade.

 

Maíra Nogueira.

A trajetória da mulher nos textos legais

A análise das mudanças da legislação brasileira ao longo dos anos, com foco no papel das mulheres na sociedade, revela que as últimas décadas foram determinantes para a consagração de um sistema de proteção contra a violência de gênero e a busca pela igualdade da mulher. O histórico legislativo revela também quão patriarcal e misógino tem sido a sociedade brasileira e o quanto ainda é preciso avançar.

No período do Brasil Colônia Séc. (XVI ao XIX), regido pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, têm se um período em que as mulheres não tinham direito a fala, suas decisões eram tomadas pelo pai ou esposo e admitia-se a pena de porte da mulher adultera. O Corpo da mulher era propriedade do homem.

Já em 1830, no Código Penal do Império, revoga-se o direito de matar a esposa, dando lugar a atenuante em caso de adultério. A legítima defesa da honra masculina prepondera sobre a vida da mulher e o adultério passou a ser crime, porém para os homens a relação era de concubinato, o que perdurou até o Código Civil de 1916.

Em 1916 o Código Civil, registra os valores da sociedade conservadora e patriarcal à época, ao trazer expressamente que o marido é o chefe da sociedade conjugal. Somente em 1962 essa função passa a ser exercida com a colaboração da mulher, com o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4121/62). Somente em 1962, foi legitimada a permissão de que a mulher pudesse trabalhar sem a autorização do cônjuge, e foi estabelecida também pelo Estatuto da mulher casada.

Ainda no referido Código de 1916, as mulheres eram consideradas incapazes[1] (não aptas a realização de atos civis – equiparadas as menores de idades, aos pródigos). Vigorava a indissolubilidade do casamento e a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido, podendo anular o casamento em virtude da prova de “não virgindade” da mulher à época do matrimônio.

No ano de 1932 as mulheres passaram a ter o direito à voto.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se a igualdade entre homens e mulheres[2] e que tivemos, de fato, o início de políticas públicas em prol dessa igualdade.  Houve também uma mudança de paradigma no Direito de Família, rompendo-se com a ideia de família sendo somente aquela instituída pelo casamento, cedendo espaço para novos arranjos familiares.

A partir daí é certo que muitos outros diplomas, como a Lei do Divórcio[3], o reconhecimento da União estável, contribuíram para o de resgate da mulher da zona de marginalidade e preconceito. A evolução do Direito de família é impulsionada pelas conquistas da liberdade e do posicionamento feminino na sociedade.

Ainda assim, o Código Penal até 2005 ainda trazia o conceito de “mulher honesta” e até recentemente o Código Penal considerava os crimes contra a liberdade sexual da mulher crime contra os costumes: privilegiando a honra e legitimando a dominação masculina acima da mulher.

Em 2006 a Lei 11.340/06, conhecida como Maria da Penha inaugura, finalmente, um sistema de proteção à mulher.  A lei, que foi promulgada na forma de sanção que o Brasil recebeu da Corte Internacional dos Direitos Humanos, reconhecendo a desídia no caso da Maria da Penha, tem com o objetivo coibir e punir a violência contra a mulher em âmbito doméstico. Em 2015 surge a Lei 13.104/15, conhecida como a lei do feminicídio, que acrescenta como qualificadora objetiva do homicídio. É um marco significativo reforçando a existência do crime motivado pelo contexto da desigualdade de gênero.

Por fim, em 2018, a Lei 13.718 passa a tratar da importunação sexual e nudes e revenge porn (ameaça de vazamento de conteúdo sexual) e a lei 13.772/18 criminaliza o registro de cenas de nudez/sexo sem consentimento.

Não obstante a crescente legislação que consagrou finalmente o sistema de proteção à mulher e a busca pelo estabelecimento da igualdade – direito a não discriminação, os números nos mostram a resistência patriarcal e a violência de gênero permanecem. Resta ausente mecanismos eficientes que coíbam a desigualdade ao acesso ao mercado de trabalho, instrumentos e educação que impulsionem a divisão igualitária dos afazeres domésticos, do dever de cuidar, para que se possa promover a igualdade de oportunidades e a sanção à prática da desigualdade salarial.

Em 2020 o número de mulheres no parlamento não chega a 15%.  No entanto, conforme divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, as mulheres representam a maioria do eleitorado, com 52%[4], o que concluímos é que nós mulheres não estamos elegendo as próprias mulheres. E por que eleger mulher é importante? Pois por mais altruístas que os homens são, eles legislarão com a visão deles, e não como e para uma mulher.

A busca pelas modificações no ordenamento jurídico objetiva ir além da sensibilização para uma mudança no comportamento da sociedade, mas também como meio de ampliar a responsabilidade estatal, a adoção de medidas concretas, através das ações afirmativas, para que se estabeleça a igualdade entre homens e mulheres e a adequação do ordenamento jurídico brasileiro para eliminar toda forma de violência contra mulher.

A breve análise da trajetória da mulher através dos textos legais que compõem o ordenamento pátrio tem como finalidade, acima de tudo, dar visibilidade ao tema da luta pelos direitos das mulheres e sobretudo como forma de conscientizar e incentivar esta caminhada.

 

 

[1] . LEI 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916. Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:
I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156).
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.
III. Os pródigos.
IV. Os silvícolas.
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, e que cessará à medida de sua adaptação.

[2]  CF de 1988 dispõe em seu artigo 5º, caput, sobre o princípio constitucional da igualdade, perante a lei, nos seguintes termos:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

[3] Em 1977 foi editada a EC 9/77 – instituindo o divórcio no Brasil.

[4] Dados do Eleitorado 2020.pdf (tse.jus.br)

Psicologia e o Direito de família

Psicologia, ciência da alma. Tão nova, mas tão presente em todos os aspectos das nossas vidas. Estuda o comportamento e os processos mentais. Dá nome ao que sentimos, vivemos e escondemos. São múltiplas abordagens e pensadores, mas todos compreendem o mesmo objetivo: o autoconhecimento.

Com muitos protocolos e ferramentas diferenciadas e disponíveis para trabalho, este profissional utiliza de dois grandes instrumentos: a fala e a escuta. E a partir disso, o olhar para o outro como a pessoa mais importante daquele processo, proporcionando um ambiente seguro, livre de julgamentos e com atenção plena: a permissão para ser quem se realmente é.

E diante de tanta necessidade de desconstrução a cerca desta ciência, devido aos inúmeros pré-conceitos e opiniões resultantes de uma ideação histórica-social, hoje, nos vemos, quase que, dependentes dela.

Ao falarmos de Direito de família, a interdisciplinaridade entre Psicologia e Direito se faz mais que importante, uma vez que o objeto de estudo, nesse caso, é a instituição base das nossas vidas. É a instituição que dita os nossos princípios, que determina grande parte das nossas crenças e acomoda (ou deveria) o nosso coração.

E quando falamos de família fazemos o esforço irreal de buscar ao máximo nossa maturidade emocional, nesse campo frágil, tão carregado de afeto, sentimentos e laço.

O papel do Psicólogo no judiciário, segundo Silva (2016) varia de acordo com o foro em que atua, mas, de modo geral, sua principal função é elaborar, através de um estudo psicodiagnóstico, laudos que destinam a entender o que motivou a ação e qual situação psicológica da família em questão. A partir disso, auxiliar o juiz em sua decisão, com o objetivo de respeitar a saúde mental dos envolvidos, principalmente quando se trata de crianças ou adolescentes.

Recorre-se a justiça para resolver dificuldades familiares, quando não se encontra mais saídas para lidar com o sofrimento decorrente de uma situação. Por isso, a importância de, além de auxiliar o magistrado em suas tomadas de decisões, ajudar os envolvidos a buscar maneiras de, pelo ao menos, amenizar seus conflitos.(Silva, 2016).

Quando há necessidade de instalar o litígio em uma discussão familiar, o diálogo já quase não existe, a segurança envolta dessa relação tão íntima já está quebrada e os sentimentos e emoções, despedaçados.

Como reduzir os danos de algo tão profundo e sistêmico?

Maíra Nogueira

Referência Bibliográfica

Silva, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro: a interface da psicologia com o direito nas questões de família e infância. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

Diversidade Familiar

A Constituição Federal de 1988 e demais influênciase transformações culturais, foram oseventos precursores para desconstrução da família patriarcal, fundamentada em uma família monogâmica, parental, centralizada na figura paterna e patrimonial e que reinou por muito tempo de forma absoluta na sociedade brasileira, proveniente dos patriarcas antigos e dos senhores feudais.

Importantes as considerações traçados por Sérgio Resende de Barros, citadas por Rol Madaleno (MADLENO, Rolf. 2019), quando responsabiliza o patriarcalismo pela asfixia do afeto, que exigiam o casamento por conveniência motivado por questões patrimoniais e políticas.

Constata-se sem dificuldades, que as famílias do passado não se preocupavam com o afeto e felicidade das pessoas responsáveis pela formação dos núcleos familiares, pois visavam tão somente aquisição de patrimônio e status perante a sociedade.
Apesar de ser a precursora do reconhecimento dos outros núcleos familiares já existentes porém ainda marginalizados, a Constituição Federal de 1988 não abarcou toda a diversidade familiar presente na contemporânea sociedade brasileira, cujos vínculo provém do afeto, pois o afeto é que conjuga!

Naconcepção de Guilherme Calmon Gama citado também por Rolf Madaleno (MADLENO, Rolf. 2019), a moderna família está desvinculada do elemento biológico, dando lugar a vínculos psicológicos de afeto, consciente a sociedade que, na formação da pessoa humana, os valores como a educação, o afeto e a comunicação contígua guardam muito mais importância do que o elo da hereditariedade.

Contudo, embora esses vínculos de afeto, culturais, genéticos, econômicos e jurídicos sejam elementos importantes na identificação da constituição de um núcleo familiar, não são taxativos para configurar a constituição de uma entidade familiar, quando a sociedade claramente acolhe outros dignificantes modelos de núcleos familiares, por isso não sendo possível preordenar espécies de unidades familiares.

Vamos então conhecer um pouco sobre os modelos de famílias plurais, reconhecidas e classificadas com o cuidado de não fazer desaparecer a união estável por sua subsunção pelo casamento ou de desaparecer o casamento por sua absorção pela união estável, conforme a tese de repercussão geral do STF, nos Res 878.694 e 646.721, Tribunal Pleno, Re. Min. Luís Roberto Barroso, julgados em 10 de maio de 2017.

Assim, as novas conformações familiares no Brasil, pós modernidade são:

FAMÍLIA MATRIMONIAL:
Esse modelo de núcleo familiar, segundo Rolf Madaleno, o casamento identifica a relação formal consagrada pelo sacramento da igreja, ao unir de forma indissolúvel um homem e uma mulher e cujos vínculos foram igualmente solenizados pelo Estado, que durante largo tempo só reconheceu no matrimônio a constituição a constituição de uma entidade familiar.
Adoção efetiva do princípio da monogamia como forma de assegurar o casamento indissolúvel e destinado a procriação dos filhos, em prol da existência da legítima descendência, onde os filhos eram presumidamente conjugais e não sofriam a discriminação da prole preterida.
Com a evolução cultural e dos costumes, a União Estável foi reconhecida constitucionalmente ao lado do casamento.

FAMÍLIA INFORMAL:
Proveniente das rupturas matrimoniais, enquanto inadmissível o divórcio na sociedade brasileira, ela serviu como alternativa aos desquitados que não podiam casar novamente, porque o matrimônio era um vínculo indissolúvel e vitalício. Denominado antes concubinato, com o advento da Carta Magna de 1988, foi reconhecido como um núcleo familiar, ganhando a denominação conhecida de União Estável.

FAMÍLIA MONOPARENTAL:
Usualmente aquelas em que descendente/progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos. São formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, mesmo que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou seja desconhecido porque a prole provenha de uma mãe solteira, sendo bastante comum que a prole tenha contato com o progenitor que não convivam cotidianamente.

FAMÍLIA ANAPARANETAL:
Também conhecida como família ampliada, realidade social que une parentes, consanguíneos ou não, presente o elemento afetivo e ausentes as relações sexuais. O animus desse núcleo familiar não possui conotação sexual, mas estão juntas com a intenção de constituir estável vinculação familiar, como na hipótese da convivência apenas entre irmãos.

FAMÍLIA RECONSTITUÍDA
Conhecida também como família mosaica ou pluriparental, é a estrutura familiar originada em um casamento ou uma união estável de um par afetivo, onde um deles ou ambos os integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou de uma relação precedente.

FAMÍLIA PARALELA:
Classificada também como família simultânea, ocorre quando homens, em sua grande maioria, mesmo sendo casados ou tendo uma companheira, partem em busca de novas emoções sem abrir mão dos vínculos familiares que já possuem. Dispõem de habilidade para se desdobrar em dois relacionamentos simultâneos: dividem-se entre duas casas, mantêm duas mulheres e têm filhos com ambas, quer se trate de um casamento e uma união estável, quer duas ou até mais uniões estáveis.

Todos os vínculos atendem aos requisitos legais de ostensividade, publicidade e notoriedade. Inclusive, no mais das vezes, os filhos se conhecem e as mulheres sabem uma da existência da outra. No fim um arranjo que satisfaz a todos. A esposa tem um marido que ostenta socialmente. A companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas o acolhe com afeto sempre que ele tem disponibilidade.

FAMÍLIA NATURAL:
Conforme dispõe o artigo 25 do Estatuto da Criança e do adolescente, é a família formada pelos pais ou qualquer destes e seus descendentes e que deveria ser o equivalente à família biológica, não fosse a evidência da família socioafetiva.

FAMÍLIA EXTENSA OU AMPLIADA:
Também conhecida como substituta, é aquela que se estende para além da unidade dos pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais as crianças ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

FAMÍLIA SUBSTITUTA:
Esse modelo de núcleo familiar esta representado pelos pais que se cadastram de forma unilateral ou bilateral quando casados ou vivendo em união estável, como candidatos à adoção, aguardando adotados e adotantes a longa espera que sempre envolve essas lentas trajetórias rumo à adoção.

FAMÍLIA EUDEMONISTA:
Termo utilizado para identificar aquele núcleo familiar que busca a felicidade individual e vive um processo de emancipação de seus membros, tem como escopo precípuo a satisfação pessoal de cada indivíduo que a compõe.

FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS
A família homoafetiva é a entidade familiar caracterizada pela união de pessoas do mesmo sexo que se baseia no afeto, amor, respeito e comunhão de vida, que ao final do relacionamento seus entes são merecedores de partilha de bens, de dever alimentar recíproco e no caso de óbito de um dos companheiros, direito a sucessão. Estes direitos devem ser garantidos aos companheiros homoafetivos, já que há uma união de vidas de fato e comunhão na edificação do patrimônio familiar. O liame que lhes une é o afeto e é este bastante à configuração de uma entidade familiar.

À estas uniões, conferiam-se efeitos existenciais e patrimoniais análogos à uma união estável, contudo o CNJ por meio da resolução 175/2013 e diretrizes como a da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na decisão recolhida do REsp n.º 1.183.378/RS, preencheram a lacuna da lei para reconhecer lícito o casamento homoafetivo.

FAMÍLIA POLIAFETIVA:
Uma das conformações familiares mais polêmicas hodiernamente e que mais causam acirradas discussões de cunho ético, filosófico, ideológico e religioso são as chamadas famílias poliafetivas, também chamadas de plúrimas ou poliamor.

É a união conjugal formada por mais de duas pessoas convivendo em interação e reciprocidade afetiva entre si. Também chamada de família poliamorosa. É uma relação amorosa simultânea, consensual, receptícia e igualitária e que não tem a monogamia como princípio e necessidade, estabelecendo seu código particular de lealdade e respeito, com filhos ou não, constituindo uma família conjugal em que três ou mais pessoas compartilham entre si uma relação amorosa, em casas separadas ou sob o mesmo teto.

A família poliafetiva distingue¬ se da família simultânea/paralela, pois na poliafetiva todos consentem, interagem, relacionam entre si, respeitam¬-se mutuamente e geralmente vivem sob o mesmo teto, isto é, em conjunto. Nas famílias simultâneas, elas não são conjuntas, mas paralelas e, geralmente, uma das partes não sabe da existência da outra. São núcleos familiares distintos, enquanto na família poliafetivatem-se um mesmo núcleo.

Referências Bibliográficas
______MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2019.
______CAMELO, Guilherme Augusto. As novas conformações familiares no Brasil pós-modernidade. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1164/As+novas+conforma%c3%a7%c3%b5es+familiares+no+Brasil+da+p%c3%b3s-modernidade> Acessado em 08 de fevereiro de 2021. Acessado em 10 de fevereiro de 2021.
¬¬¬______CUNHA, Rodrigo Pereira. O que é a família poliafetiva? Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2020/06/18/o-que-e-a-familia-poliafetiva/>Acessado em 10 de fevereiro de 2021.

Noções Introdutórias da Evolução do Direito de Família

Sem dúvida, “família”, é a instituição mais importante desde os primórdios, para estruturação das bases de uma sociedade. Preceitua o artigo 226 da Constituição Federal que a família é a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado.

A Estruturação dessas bases, oriundas da formação dessas famílias, sofrem e sofreram ao longo da história importantes
mutações, provocadas pela evolução dos ideais sociais, descobertas científicas, dos costumes da sociedade, que se encarregaram de amparar e aprimorar a instituição familiar. A visão que temos hoje acerca da família, não é a mesma de tempos atrás, em que a economia doméstica estava concentrada no meio rural e abrangia um espectro maior de parentes.

Com o tempo essa família veio sofrendo redução, resumindo-se aos pais e filhos, que migravam para os centros urbanos em busca de emprego nas grandes indústrias que se encontravam em constante ascensão.

De igual modo, merece destaque a inserção da mulher no mercado de trabalho, deixando de ser vista como uma mera colaboradora com os cuidados do lar e dos filhos, o que mais adiante ganha força para o reconhecimento completo da paridade entre os cônjuges e pôr fim a hipocrisia de o marido exercer a chefia da sociedade conjugal.

De acordo com Rolf Madaleno (2019, p. 35), ao tempo do Código Civil de 1916 e o advento da Carta Magna de 1988, a família brasileira era matrimonializada, existindo tão somente no mundo jurídico e socialmente quando constituída por meio do casamento válido e eficaz.

Qualquer outro tipo de arranjo familiar, era considerado socialmente marginalizado, inclusive o concubinato equivalente a atual União Estável, hoje reconhecida. Parafraseando Beth Carvalho, na canção Olho por Olho: “A justiça dos homens condena a bigamia, nenhuma mulher pode ter dois
Josés, nenhum homem ter duas Marias…” Formatações familiares como essas, cantada por Beth Carvalho em Olho por Olho, cada vez mais comuns e reconhecíveis em nosso cotidiano, eram tratadas com tamanho desprezo pelo ordenamento jurídico e no meio social, que seus eventuais e escassos efeitos jurídicos, vagavam pela seara do direito das obrigações, pois eram consideradas sociedades de fato.

Ainda nos ensinamento de Rolf Madaleno, a família era vista como unidade de produção e de reprodução, matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica e institucional, constituídas unicamente pelo casamento, onde a felicidade e liberdade dos membros não era mais importante do que a predominância da família como instituição.

Todavia com o advento da Carta Política de 1988, outros padrões de agrupamentos familiares, que não fossem originários do casamento passaram a perder a característica de marginalizados.

A Carta Magna, abriu um leque de exemplos distintos de formatações familiares, que não se restringiam mais ao casamento, a união estável e a família monoparental, simplesmente porque o vínculo do matrimônio, deixou de ser o fundamento para caracterização da família legítima, proveniente das adequações da sociedade as novas necessidades humanas.

A família matrimonializada, deu lugar a uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou sócio afetiva, construída com base na afetividade. (Madaleno, 2019)

Efetivamente a Constituição brasileira apenas tratou de acolher para o mundo jurídico o que se encontrava no mundo dos fatos, uma marcante realidade sociológica das uniões informais. Também tratou de estabelecer os princípios gerais de amparo a família, com fundamentos ancorados principalmente na
proteção da igualdade dos direitos dos filhos, independente da sua origem de constituição familiar.

A história nos conta, que ao longo do tempo foi sendo quebrada a posição excessivamente privilegiada do casamento, em detrimento do novo conceito de entidade familiar, inserido pelo reconhecimento dos vínculos informais.

O casamento passa a ser tratado como uma das maneiras para se estabelecer uma família e não mais, a absoluta. A questão da formação de um núcleo familiar e a sua evidente multiplicidade de modalidades, tornou-se um fato que saltava aos olhos. Pablo Stolze (2019, p.69), aponta como fundamental para esse reconhecimento/rompimento, a chegada do século XX como precursor de pensamentos únicos e grandes eventos , com a chegada dos grandes centros urbanos, a revolução sexual, a disseminação do divórcio como uma alternativa moralmente válida, a valorização da tutela da infância, juventude e terceira idade, a mudança de papéis nos lares, a supremacia da dignidade sobre valores pecuniários, o reconhecimento do amor como elo mais importante da formação de um lar.

Em um rápido apanhado sobre a trajetória do direito de família ao longo do tempo e todos os arranjos familiares que ganharam tutela jurídica em nosso ordenamento, notaremos traços evidentes da dessacralização e despatrimonialização do direito de família.

De acordo com Rolf Madaleno (2019, p. 44), o atual diagnóstico é de a moderna família suprimir algumas travas, algumas armaduras, para que a vida individual seja menos opressiva: de afeição e solidariedade, e de entrega as suas verdadeiras tradições. Assim almejamos e verdadeiramente esperamos, que esse processo seja contínuo e nunca pare, pois apesar das evidências de que jamais alcançaremos um direito de família puro, sem rastros de interesses
patrimoniais, certo é que, parafraseando Pablo Stolze, a família deve existir em função dos seus membros e não do contrário.

Referências Bibliográficas
______MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2019