No decorrer desses 10 (dez) anos de vigência da Lei n.º 12.318/2020, conhecida como “Lei da Alienação Parental”, já aprendemos que as situações podem ser bem mais complexas do que imaginou o legislador, podendo haver mais de uma pessoa alienada e mais de uma pessoa alienadora, podendo haver condutas alienantes recíprocas, autoalienação, falsas acusações de alienação, dentre outras situações descritas pela doutrina e pela jurisprudência, ambas sempre em constante aprimoramento.
A autoallienação parental trata-se um tema ainda pouco discutido, haja vista seu conceito, ter sido dede igual forma à pouco tempo delimitado.
Diferente da alienação parental, onde considera-se a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”, no caso da autoalienação, é o próprio progenitor alienado quem provoca o afastamento da criança ou do adolescente.
Descreve o Profº. Rolf Madaleno com maestria, alguns exemplos desse tipo de conduta perpetrada na maioria das vezes pelo genitor que não detém a guarda dos filhos como” tratamento ao infante de maneira ríspida, por vezes cruel e desumana, ao imputar a criança ou adolescente a culpa por se sentir afastado do processo de formação e criação de seu filho”.
Em outros casos igualmente frequentes, “exige que seus filhos convivam com sua atual companheira, madrasta que, por sua vez, foi o pivô da separação dos pais do menor. Muitas vezes o genitor exige de forma imediata, uma adaptação dos filhos à sua nova família, ou até mesmo que tratem a madrasta como mãe”.
O reflexo a esse tipo de comportamento por parte do progenitor alienado, não se resume em outro que não seja a resistência, o distanciamento da criança ou adolescente em face do mesmo, que faz isso na grande maioria das vezes por angústia e medo, e não por desamor.
De outro modo a autoalienação também pode ser causada pelo abandono afetivo, pela falta de cuidado com questões básicas da vida dos filhos, como educação, lazer, criação, assistência moral ou qualquer outra questão ligada ao desenvolvimento da criança e do adolescente.
Grandes exemplos de abandono afetivo referem-se ao genitor que nem chega a registrar a criança quando do nascimento; em outros casos, onde há o registro do filho, inclusive com a convivência harmoniosa durante a constância da relação entre o casal, mas com o advento da separação o genitor passa a evitar a prole e não mais cumprir com suas obrigações paternais/maternais.
Inclusive, diante dessa configuração de abuso em face da criança e do adolescente, qual seja, autoalienação por abandono afetivo, nos deparamos com mais uma questão, pois admite-se que a lei puna aquele que age contra o genitor com o objetivo de destituir a imagem de seu ex-companheiro junto aos filhos, mas poder-se-ia advertir, multar ou punir mais gravemente aquele que por vontade própria, se afasta da prole?
A convivência constitui um direito ou direito-dever?
Em magistral voto no REsp 1.159.242 – SP, a Ministra Nancy Andrighi bem diferencia o dever de cuidado do sentimento de amor, sem nos deixar dúvidas quanto a possibilidade de punição do genitor que pratica abandono afetivo:
“Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.”
O reflexo de tal desleixo por parte de um dos genitores, ao violar o direito constitucional do filho de convivência com a sua figura e de ser cuidado pelos pais, esculpido no art. 227 da Carta Magna, abre a possibilidade para eventual responsabilização objetiva daquele que pratica o abandono, através de uma indenização em pecúnia, o que nos leva a constatar que a convivência com os genitores trata-se de um direito-dever.
Independente da configuração que se apresente, a autoalienação é uma omissão dos genitores em relação as suas atitudes previstas em lei, motivo pelo qual o debate acerca do tema se mostra contínuo e necessário, no âmbito do Direito de Família, por apontar principalmente a necessidade dos ajustes que merecem ser realizados na LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL, já que as demandas judiciais e todo aparato do judiciário para apuração da síndrome nos âmbitos familiares, tem demonstrando o crescente aumento de decisões vislumbrando situações em que os genitores que não detém a guarda e perpetram acusações de alienação parental, são os próprios culpados pelo afastamento parental.
Entendemos que tal responsabilidade cabe principalmente a nós advogados, operadores do direito, já que o uso adequado da Lei de Alienação Parental é o que há de garantir sua eficácia, pois já se sabe que o mau uso da Lei, refletem prejuízos imensuráveis à pedra angular de toda a sua proteção e fundamento, qual seja, a criança e ao adolescente.
Referências Bibliográficas
______Autoalienação Parental ou Alienação Infligida. As novas conformações familiares no Brasil pós-modernidade. Disponível em:< http://genjuridico.com.br/2015/07/14/debate-oab-rj-autoalienacao-parental-ou-alienacao-autoinflingida/ > Acessado em 21 de abril de 2021.
______Autoalienação Parental. Disponível em: <http://adfas.org.br/2020/07/31/autoalienacao-parental-uma-analise/> Acessado em 21 de abril de 2021.______Autoalienação parental: quando o distanciamento é causado pelo próprio genitor. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/autoalienacao-parental-quando-o-distanciamento-e-causado-pelo-proprio-genitor/> Acessado em 20 de abril de 2021.
______A utilização da “lei da alienação parental” para casos em que não ocorra alienação parental. Disponível em:< https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1545/A+utiliza%C3%A7%C3%A3o+da+%E2%80%9Clei+da+aliena%C3%A7%C3%A3o+parental%E2%80%9D+para+casos+em+que+n%C3%A3o+ocorra+aliena%C3%A7%C3%A3o+parental+> Acessado em 22 de abril de 2021.